lunes, 31 de marzo de 2014

Texto y traducción del cuento 'O mistério da árvore' por Sergio Núñez Guzmán



O MISTÉRIO DA ÁRVORE

Raul  Brandâo

Esgalhada e seca, os seus frutos eram cadáveres ou corvos.  Ninguém se lembra de que tivesse dado folhas nem flor, a árvore enorme que havia séculos servia de forca: ninguém se deitava à sua sombra, e até o sol fugia da árvore estarrecida e hirta que havia séculos servia de forca.
Em frente ficava o Palácio real, construído num bloco de pedra escura, e só o Rei, de alma igual à sua alma, nua e trágica, se pusera a amá-la, a árvore triste que havia séculos servia de forca.
Que doença estranha, lenta, mas tenaz, matava o Rei?  Só amava os crepúsculos, as agonias da luz, o passado, e a multidão silenciosa vinha vê-lo, ao fim da tarde, de cabeça encostada aos vidros das janelas, fixo o olhar nas águas verdes e limosas e no espectro da árvore levantada diante do Palácio.  Tudo que era vivo fugira de ao pé dele, porque o Rei mandava punir a mocidade e o amor, e dez léguas à roda o país tinha sido assolado pelos seus guerreiros brutais.  Mandara queimar tudo, devastar tudo no seu reino.  Nem uma folha nem uma ave - nem um sinal de vida.  De pé, unicamente a árvore, desde séculos estarrecidos e hirtos, a árvore maldita que no seu reino servia de forca.
No silêncio tumular do Palácio os passos do Rei ecoavam pelos corredores desertos, lentos ou precipitados, conforme o pensamento tenaz que o devorava, gastando pouco a pouco as lajes duras do chão. Não podia amar.  Nem a voluptuosidade, nem o ideal, nem o amor, nem a carne láctea das mulheres: tudo lhe era vedado.  Horas atrás de horas se ouviam no Palácio os passos do Rei doente, toda a noite, toda a noite a rondar...
Sucedeu que veio a Primavera e todas as árvores, para lá do território assolado, estremeceram e se cobriram de flor. Borboletas nascidas do seu hálito noivavam no azul e dois mendigos amorosos, de países lendários, entraram e perderam-se naquela terra bragueta, ela envolta na poalha dos cabelos loiros, ele feliz e esbelto, preso ao seu olhar.  Eram pobres.  E assim, apenas vestidos, vieram enlaçados com a Primavera, cobrindo a terra erma, que calcavam, de vida e amor. Eram pobres e felizes.  Flores esvoaçavam pela sua nudez, e as macieiras dos quintais deitavam galhos fora dos muros, de propósito para vê-los passar.
Azul, sonho, entontecimento, toda a atmosfera estremecia. Só o Rei no Palácio deserto vivia braço a braço com a dor. A vida, a luz, as árvores enojavam-no.  Queria todo o país negro, deserto e escalvado; e o amor, que trespassava a terra e os bichos, a própria morte que tudo transforma, lhe parecia abominação e afronta.  Odiava a vida.  Mas deitava-se e sentia palpitar as fragas: os montes eram seios duros, as árvores cabelos ao vento. Para não ver, encerrava-se no Palácio construído dum bloco de pedra e sozinho ficava então de olhos postos na árvore.  Contemplava-a.  Como o Rei, ela era seca e hirta - fora-o sempre - e os seus frutos cadáveres ou corvos. À passagem de Abril e dos mendigos, tudo à volta se transformava; só ela quedava inerte diante da vida e do amor, a árvore trágica que havia séculos servia de forca.

Um dia o Rei soube que dois seres felizes haviam transposto as fronteiras e mandou-os logo prender. Nas últimas noites sentira-os nos espinheiros túmidos, nos sapos dos caminhos, que pareciam extáticos, nás coisas que estremeciam, na noite magnética cheia de murmúrios, no vento que atirava para o castelo ramos de árvores luminosas.  Punha- se de ouvido à escuta, e a terra, a noite e o mar, sufocados, iam talvez falar, iam enfim falar!...
Quando os soldados os trouxeram ao Palácio, com eles entrou um bafo novo; cheiravam a sol e à lama, dos caminhos e pegava-se lhes húmus aos pés descalços.  A vida rompeu por aquele túmulo dentro e, pois que iam morrer, dir-se-ia que a morte, em lugar da foice simbólica, pela primeira vez trazia nas mãos um ramo de árvore.
Dois mendigos e amavam-se! Nem sequer eram extraordinariamente belos, mas deles irradiava uma força imensa - daquela moça sardenta, com resquícios de palha pegados aos cabelos, daquele homem cuja carne aparecia entre os farrapos. Não davam pelo Rei, não davam pela Morte. Amavam-se.  Atreviam-se num país que ele mandara assolar para que nunca mais diante de seus olhos pudesse aparecer a imagem da vida e do amor!
Olhou-os o Rei durante alguns minutos em silêncio e depois fez um gesto aos carrascos, que logo se apoderaram deles e os levaram.  Sorriam-se os mendigos, cheios de terra e ervas, e, enlevados, olharam um para o outro, ignorando o que se passava em volta - olhos nos olhos, mãos nas mãos...
Noite negra, o Rei subiu sozinho ao terraço. Restos de nuvens, restos de mantos esfarrapados arrastavam-se pelo céu.  A árvore onde os dois haviam sido enforcados mal se distinguia no escuro; mas de lá vinha um frémito, a sua agonia talvez, e uma claridade, os seus corpos decerto. Em vão reduzira tudo a cinzas - por baixo das cinzas latejava a vida.  Toda a terra parecia fermentar.  Ouvia murmúrios. Se as árvores falassem! se as árvores e as coisas dissessem tudo que sabem! A água chilrava, perdia-se em fios pela terra.  Mas então ele não mandara secar as fontes?  Vozes, mais vozes ainda no escuro, a voz baixinha e humilde das árvores cheias de folha, que o vento chegavam umas para as outras... Mas então ele não mandara despir para sempre as árvores? Pior...  Mais fundo ainda, no negrume opaco da noite, o sussurro da vida - como se ele não tivesse mandado espezinhar a vida!...  Encostado à muralha, passou a noite absorto.  As nuvens galopavam, o grasnido dos corvos afligia-o...  Porque não iria ele também ser macieira, mendigos, húmus?  Transformar a dor em felicidade? beber o sol arrastado na aluvião da vida? Oh! Como odiava a mocidade, a ternura, os lábios moços que se beijam!...
Só a árvore esgalhada e seca o prendia ainda, a árvore sinistra que no seu reino servia de forca.
Ficou até de manhã de olhos postos naquele fantasma triste e enorme, negro como as ideias negras que tecia seco como a sua própria alma - a árvore desmedida que no seu reino servia de forca...  Começaram os cerros a tingir-se de violeta, as árvores a azular e a forca, em que se absorvia, a destacar-se de entre a névoa, a árvore esgalhada e imensa que havia séculos perdera a seiva e a vida.
Súbito ficou imóvel de espanto. Aquecida com o amor de dois mendigos, tinha o galho em que pendiam enforcados cheinho de flor.  Dura e má como as pragas, juntara no ramo que os cobria toda a flor que a terra assolada não pudera produzir.  Era nada, quase nada, algumas flores miudinhas prestes a sumirem-se ao primeiro sopro - era dor estreme e sonho estreme.  Nos seus braços haviam sido enforcados muitos desgraçados e as suas raízes mortas pelas lágrimas de aflição.  Tolhida com os gritos, não bebia água nem sugava húmus.  Vira passar homens,  Primaveras e reinados, sem se comover, mão arrepelada a amaldiçoar a terra e o castelo. Assistira a transformações de solo, a tempestades, a cataclismos e a guerras, sempre petrificados como a morte - e naquela noite, trespassada pelo amor dos dois mendigos, desentranhara-se em ternura, como se nela se concentrasse toda a paixão, a Primavera e o noivado da terra - a árvore maldita que desde séculos servia de forca.





                           








                                     El misterio del árbol
                                                        Raúl Brandao
                                                        Versión Sergio Núñez Guzmán

Ramificado y seco, sus frutos eran cadáveres o cuervos. Nadie recuerda que hubiese dado hojas ni flor, el árbol enorme que hacia siglos servía de horca, nadie se deleitaba con su sombra, y hasta el sol hacía del árbol yerto que atemorizaba y que hacía siglos servía de horca.

En frente estaba el palacio real construido en un bosque de piedra oscura, y sólo el rey, de alma igual a su alma, desnuda y trágica, se pusiera a amarla, el árbol triste que hacía siglos servía de horca.
¿Qué dolencia extraña, lenta, más tenaz mataba el rey? Sólo amaba los crepúsculos, las agonías de la luz, el pasado; y la multitud silenciosa venía a verlo, al fin de la tarde, con la cabeza recostada en los vidrios de las ventanas, fijo el mirar en las aguas verdes y limosas y en el espectro del árbol levantado delante del palacio. Todo lo que estaba vivo huirá del pie de él, porque el rey mandaba castigar el mocedad y el amor, y diez lenguas a la redonda el país había sido asolado por sus guerreros brutales.  Había mandado quemar todo, devastar todo en su reino. Ni una hoja ni una ave, ni una señal de vida. De pie, únicamente el árbol desde siglos yerto y que atemorizaba, el árbol maldito que en su reino servía de horca.
En el silencio sepulcral de palacio los pasos del rey se escuchaban por los corredores desiertos, lentos o precipitados, conforme el pensamiento tenaz que lo devoraba, gastando poco a poco las lajas duras del llamo. No podía amar. Ni la voluptuosidad ni el ideal ni el amor ni la carne láctica de las mujeres. Todo le era vedado.  Hora tras hora se oían en el palacio los pasos del rey doliente, toda la noche, toda la noche a rondar...
Sucedió que vino la primavera y todos los árboles, para allá del territorio asolado, se estremecían y se cubrían de flor. Mariposas nacidas de su hálito se comprometían en el azul y dos mendigos amorosos de países legendarios habían entrado y se habían perdido en aquella tierra llagosa, ella envuelta en la polvareda de cabellos dorados, él feliz y esbelto, preso al mirarla. Eran pobres. Y así, apenas vestidos, vinieron enlazados con la primavera, cubriendo la tierra yerma que oprimían con vida y amor.  Eran pobres y felices.  Flores revoloteaban por su desnudez y los manzanos de las quintas inclinaban ramas fuera de los muros, con el propósito de verlos pasar.
Azul, sueño, aturdimiento, toda la atmósfera se estremecía.  Sólo el rey en el palacio desierto vivía brazo a brazo con el dolor.  La vida, la luz, los árboles lo enojaban.
Quería todo el país negro, desierto y decalvado; y el amor, que traspasaba la tierra y los bichos, la propia muerte que todo transforma, le parecían abominación y afrenta. Odiaba la vida. Mas se deleitaba y sentía palpitar las fragas: los montes eran senos duros, los árboles cabellos al viento.  Para no ver se encerraba en el palacio construido de un bloque de piedra y solito se quedaba entonces con los ojos puestos en el árbol.  Lo contemplaba.  Como el rey, era seco y yerto, fuérzalo siempre, y sus frutos cadáveres o cuervos. Con el paso de abril y dos mendigos, todo a la vuelta se transformaba;  sólo el árbol quedaba inerte delante de la vida y del amor, el árbol trágico que hacía siglos servía de horca.
Un día el rey supo que dos seres felices habían transpuesto las fronteras y luego los mandó aprender.  En las últimas noches los sentirá en los espinos túmidos, en los sapos de los caminos, que parecían estáticos, en las cosas que estremecían, en la noche magnética llena de murmullos, en el viento que tiraba para el castillo ramas de árboles luminosos. ¡Se ponía de oído de escucha, y la tierra, la noche y el mar, sofocados, ya tal vez de hablar, ya en fin de hablar!...

Cuando los soldados los trajeron a Palacio, con ellos entró un aliento nuevo, olían a sol y a lama, de los caminos se les pegaba lumas a los pies descalzos.  La vida rompió por aquel túmulo dentro y, puesto que iban a morir, se debía que la muerte, en lugar de la hoz simbólica, por primera vez traía en las manos un ramo de árbol.

¡Dos mendigos se amaban!  Ni siquiera extraordinariamente bellos, mas de ellos irradiaba una fuerza inmensa, de aquella moza pecosa, con resquicios de paja pegados a los cabellos, de aquel hombre cuya carne aparecía entre los harapos.  Nada daban por el rey, nada daban por la muerte.  Se amaban.  Se atrevían en un país que él mandara asolar para que nunca más delante de sus ojos pudiese aparecer la imagen de la vida o del amor.

Óbolos el rey durante algunos minutos en silencio y después hizo un gesto a los verdugos, que luego se apoderaron de ellos y se los llevaron.  Se sonreían los mendigos llenos de tierra y hierbas, y, extasiados miraron uno para el otro, ignorando lo que pasaba en su alrededor, ojos en los ojos, manos en las manos...
Noche negra, el rey subió solito a la terraza.  Restos de nubes, restos de mantos desganados se arrastraban por el cielo.  El árbol donde los dos habían sido ahorcados mal se distinguía en lo oscuro, más de allá venía un susurro, su agonía tal vez, y una claridad de sus cuerpos combatida.  En vano reducirá todo a cenizas,  por debajo de las cenizas palpitaba la vida.  Toda la tierra parecía fermentar.  Oía murmullos.  ¡Los árboles se hablaban! ¡Los árboles y las cosas se decían todo lo que saben!  El agua charlaba, se perdía en hilos por la tierra.  ¿Más entonces él no había mandado secar las fuentes?  Voces, más voces todavía en lo oscuro, la voz bajita y humilde de los árboles llenos de hojas, que el viento allegaba unas a otras...  ¿Más entonces él no había mandado despojar para siempre los árboles?  Peor...  Más hondo todavía, en la negrura opaca de la noche, el susurro de la vida, como si él no hubiese mandado pisotear la vida... Acostado sobre la muralla, pasó la noche absorta.  Las nubes galopaban, el graznido de los cuervos lo afligía...  ¿Por qué no sería él también manzano, mendigos, humus?,  ¿Transformar el dolor en felicidad?,  ¿beber el sol vagabundo en el aluvión de la vida?  ¡Oh!, cómo odiaba la mocedad, la ternura, los labios mozos que se besan...
Solo el árbol ramificado y seco lo prendía todavía, el árbol siniestro que en su reino servía de horca. Se quedó hasta de mañana con los ojos puestos en aquel fantasma triste y enorme, negro como las ideas que tejía,  seco como su propia alma,  el árbol desmedido que en su reino servía de horca...  Habían comenzado los cerros a reírse de violeta,  los árboles a desaparecer y la horca, en que se absorbía, a destacarse de entre la niebla,  el árbol ramificado e inmenso que hacía siglos había perdido la savia y la vida.
Súbitamente se quedó inmóvil de espanto.  Entusiasmado con el amor de dos mendigos,  tenía la rama en que pendían los ahorcados, llena de flor.  Duro y malo como las plagas, había juntado en la rama que los cubría toda la flor que la tierra asolaba no pudiera producir.  Nada era, casi nada, algunas flores avaras prestas a sumirse al primer soplo, era dolor genuino y sueño genuino.  En sus brazos habían sido ahorcados muchos desgraciados y sus raíces muertas por lágrimas de aflicción.  Tullida con los gritos, no bebía agua, tampoco chupaba humus. Había visto pasar hombres, primaveras y reinados, sin conmoverse, mano desesperada por maldecir la tierra y el castillo. Había asistido a transformaciones de suelo, a tempestades, a cataclismos y a guerras, siempre petrificada como la muerte, y en aquella noche, traspasada por el amor de dos mendigos, se había desentrañado en ternura, como si en él, se hubiera concentrado toda la pasión, la primavera y el noviazgo de la tierra, el árbol maldito que desde siglos servía de horca.

Versión: Sergio Núñez Guzmán.

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